A sociedade brasileira está se despertando para o fato de que as medidas de distanciamento social – necessárias para conter o ritmo de transmissão do coronavírus – vão resultar na maior contração econômica jamais ocorrida na história do país
Por José José Luís Oreiro
Deve-se deixar claro que não existe o dilema entre vidas e economia: todos os países vão sofrer em maior ou menor grau forte queda do nível de atividade econômica, cuja intensidade será tão maior quanto: (a) maior for o período distanciamento social para limitar a transmissão do vírus; e (b) menores forem as medidas de estímulo fiscal e monetário adotadas para atenuar o choque de demanda decorrente do isolamento.
A agricultura e a indústria, pela natureza de seu processo produtivo que exige menor interação pessoal (a interação é homem-máquina, não homem-homem), podem continuar operando de forma mais ou menos "normal" durante o período de distanciamento social, a depender, é claro, do nível de demanda pelos produtos. É o setor de serviços que será duramente afetado pelas medidas de distanciamento social, pois a maior parte das atividades exigem a interação homem-homem, a qual não pode ser inteiramente substituída pelo teletrabalho ou pelo e-commerce. Dessa forma, o risco de desabastecimento de gêneros de primeira necessidade está, por hora, afastado. O grande desafio é, portanto, garantir um volume suficientemente grande de demanda pelos bens agrícolas e industriais durante o isolamento.
As empresas desse setor, confrontadas com a queda das vendas, decorrentes da impossibilidade de interação entre as pessoas, vão fazer demissões em massa. Trabalhadores sem renda não têm como demandar os bens agrícolas e industriais (por exemplo, produtos de limpeza e higiene) necessários para a sua subsistência. Como consequência, a produção de alimentos e produtos manufaturados de consumo semidurável também será atingida com impacto indireto na produção de bens intermediários e de capital. Dessa forma, a produção agrícola e industrial será reduzida, levando assim ao desabastecimento de gêneros de primeira necessidade.
Mas isso não precisa ocorrer. A demanda dos trabalhadores desempregados pode ser mantida por intermédio de transferências de dinheiro por parte do governo. Com dinheiro no bolso, os trabalhadores desempregados poderão continuar comprando os bens de primeira necessidade, sustentando assim a demanda por alimentos e produtos manufaturados.
A questão é como financiar esse programa. Alguns analistas do mercado financeiro sugerem que a conta deve ser passada aos servidores públicos, cuja renda não foi afetada pelas medidas de distanciamento social. O argumento usado é de ordem moral, não econômica. A ideia é que não é "justo" que apenas os trabalhadores do setor privado sejam penalizados com perda de renda. Todos os trabalhadores devem ter a renda reduzida.
O problema com esse tipo de proposta é que ela é, ao mesmo tempo, desnecessária e nociva para o funcionamento da economia. Desnecessária porque o governo, ao emitir dívida denominada em moeda nacional, não possui restrição financeira.
Nociva porque, ao reduzir a renda dos servidores públicos, o governo vai ampliar, ao invés de reduzir, o choque de demanda que estava inicialmente restrito ao setor privado. Em suma, é perfeitamente possível sustentar os empregos e a renda do setor privado sem punir os servidores públicos, muitos dos quais estão na linha de frente de combate à pandemia.
*José Luís Oreiro é professor adjunto do departamento de economia da Universidade de Brasília. Graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, mestre em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e doutor pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Postar um comentário