Tesouro avança sobre o patrimônio do FGTS para bancar subsídios





O Tesouro Nacional vem usando, indevidamente, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para fazer superavit primário, a denominada economia para o pagamento de juros da dívida pública. Em vez de destinar recursos do Orçamento da União para bancar o subsídio nas taxas de juros cobradas das famílias de baixa renda beneficiadas pelo programa Minha Casa, Minha Vida, como sempre foi regra, transferiu a maior parte da fatura para o patrimônio dos trabalhadores. No ano passado, R$ 4,5 bilhões saíram do FGTS a fundo perdido, ou seja, sem qualquer possibilidade de retorno. Neste ano, serão mais R$ 5,5 bilhões e, em 2012, outros R$ 4,4 bilhões.

Não é só. O Tesouro também está se apoderando de receitas que deveriam ser repassadas ao FGTS. Pelo programa do microempreendedor individual, todos os tributos e contribuições sociais são recolhidos por meio de um único documento. Mas, ao contrário de dividir os recursos, o Tesouro está se apoderando de tudo, inclusive da parcela que deveria engordar o fundo de propriedade dos trabalhadores. “Essa arrecadação é pequena, mas é do Fundo de Garantia. Daqui a pouco, o governo achará que pode reter outras contribuições, o que é ilegal”, disse um técnico que acompanha o dia a dia do FGTS. Procurado, o Tesouro não se manifestou.

Não à toa, a equipe econômica vem boicotando a proposta de se aumentar a rentabilidade das contas dos trabalhadores por meio da distribuição de parte do lucro líquido obtido pelo FGTS a cada ano — um projeto que dorme nas gavetas do governo há pelo menos dois anos. Se uma parcela maior dos ganhos for repassada, sobrará menos dinheiro para o Tesouro fazer as manobras que estão assustando vários profissionais ligados ao fundo de garantia, que comemora 45 anos da existência.

Perdas constantes
Para Celso Petrucci, que representou por seis anos a Confederação Nacional do Comércio (CNC) no Conselho Curador do FGTS, se o governo continuar avançando sobre o patrimônio dos trabalhadores, o futuro do maior fundo privado do país ficará comprometido. As preocupações de Petrucci são encampadas até pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), aliada de primeira hora do Palácio do Planalto. Jacy Afonso de Melo, que até a semana passada representava a entidade no Conselho Curador, reconheceu que o dinheiro do FGTS não pode ser usado a fundo perdido.

Na sua avaliação, é inadmissível o fato de o FGTS estar bancando, praticamente sozinho, todo o subsídio dado pelo governo às famílias de baixa renda para que elas tenham acesso à casa própria. “O FGTS é um fundo privado. Portanto, o governo deveria bancar o subsídio”, afirmou. De acordo com o orçamento do Minha Casa, Minha Vida, o Tesouro vem assegurando apenas 17% do subsídio para o programa e o fundo, o restante. O subsídio sai do lucro líquido do FGTS, que pode ser comparado ao ganho de um banco. Se todas as contas com saldo em nome dos trabalhadores fossem pagas de uma única vez, o FGTS precisaria ter em caixa R$ 222,8 bilhões (dados do balancete de junho deste ano). Mas, em dezembro de 2010, o saldo já superava esse valor em R$ 35,8 bilhões.

Segundo Jacy Afonso, em vez de usar o dinheiro do FGTS, o governo precisa discutir uma forma de aumentar a rentabilidade das contas vinculadas — hoje, de 3% ao ano mais a variação da Taxa Referencial (TR) —, porque a inflação vem superando o ganho, o que significa prejuízos aos cotistas do fundo. “Já perdemos 2% no ano passado e vamos perder mais neste ano”, observou. Ele defendeu não só a distribuição de parte do lucro líquido, mas que o FGTS passe a ter rendimento igual ao garantido às cadernetas de poupança, de 6% ao ano mais a TR.